domingo, 19 de outubro de 2008

MAIS UMA HOMENAGEM AOS PROFESSORES!

ARMANDO PUXA-AVANTE *por José Arrabal Tinha nome imponente e sugestivo, Armando Nascimento, mas em nosso vilarejo capixaba, Santo Antônio das Paineiras, no dizer de todos era Armando Puxa-Avante, o professor. Puxa-Avante por ser desde há muitos anos o guia da Folia de Reis na cidade, folia que conduzia com seu costumeiro grito “Avante! Avante!”, no decorrer da travessia dos foliões a cada seis de janeiro. Grito igualmente repetido aos alunos nos desfiles de sete de setembro, pois nunca julgou mau o apelido que até mesmo alimentava onde estivesse. - Vamos avante! Puxa avante! – melhorava o ânimo da classe na tensão de uma prova, trazendo riso, maior satisfação ao ambiente. Armando Puxa-Avante, querido mestre de Matemática no Ginásio Estadual Avelino Rodriguez, em Paineiras. - Leciono graças a arranjo de Deus que bem sabe o que faz! – justificava a vocação por ter nascido num certo 15 de outubro, dia do professor. Para as aulas trajava terno claro, gravata borboleta, camisa limpa engomada, sapatos encerados. Sobre a mesa de trabalho colocava o chapéu de feltro grosso, que tirava ao entrar na classe. Ao sair, tornava a pôr o chapéu na cabeça protegendo sua vasta cabeleira grisalha. Homem de estatura média, tinha traços de ágil gnomo, mais gestos elétricos de maestro de orquestra e palavras certeiras de exímio arqueiro. - Fui professor de seu pai. Ele não gostava de Matemática... mas depois gostou... – confessou-me em simpático sussurro, justo no primeiro dia de aula. Nada respondi, surpreso por ter adivinhado que eu também desgostava de sua matéria de ensino. Surpresa que me acompanhou todo o curso, devido à sua profecia de minha afeição crescente pela Matemática. Quatro anos estivemos juntos, ano a ano, num curso diferente do que podia imaginar. No primeiro ano – hoje, chamado de quinta série – não tratamos de somas, nem de frações, não vimos qualquer equação, não decoramos fórmulas, muito menos resolvemos problemas de aritmética. Estudamos a aventura da Matemática, sua múltipla valia histórica para a Antiguidade, para a Idade Média e nos tempos modernos. Tomamos conhecimento das biografias dos grandes matemáticos, a paixão de Pitágoras pelo Um, Arquimedes gritando “Eureka”, a tardia descoberta do Zero, a razão de ser dos caracteres numéricos de cada cultura da humanidade. Lemos pequenos contos em que a Lógica torna-se essencial à solução dos enredos. - Avante! Avante! – nos seduzia o mestre. Atravessamos a segunda série apaixonados pela leitura de “O Homem que Calculava”, histórias do escritor brasileiro Malba Tahan. Até inventamos novas situações semelhantes às desse livro inesquecível. Cumprimos outras leituras de textos com conteúdos equivalentes, vivenciando enigmas matemáticos. Entusiasmados, visitamos Sherlock Holmes. Também nos encantamos com o conto “O Escaravelho Dourado”, de Edgar Allan Poe. Expressões do imaginário em que o raciocínio é precioso para solucionar as tramas em suspense. Percursos que nos aproximaram com satisfação de diversos conceitos da Matemática. Nunca me esqueço de certa prova no meio do segundo semestre desse ano, prova com dez questões que levamos para resolver em casa. O professor nos passou tão somente as respostas das questões. Cabia a nós inventarmos os enunciados dos problemas para essas respostas. O valor da nota era proporcional à complexidade de cada enunciado inventado por nós. Não foi fácil, mas foi muito divertido. No ano seguinte lidamos com poemas e canções, centrados nas métricas e nos encadeamentos das rimas, que transformamos em dados estatísticos, enquanto constatávamos surpresos que Música e Matemática têm almas irmãs. Substituímos números por letras, de onde chegamos à Álgebra. Entrelaçamos formas e números, com o que alcançamos a Geometria. Com alguma facilidade dominamos noções de logaritmos, das constantes, da transformação de coordenadas, das derivadas de funções, das integrais básicas, da teoria dos conjuntos. Rimos dos números irracionais. E brincamos felizes com todo esse universo do conhecimento humano. - Avante! Avante! – nos conduzia a batuta do maestro Puxa-Avante. Na quarta série, último ano de nosso curso Ginasial no Avelino Rodriguez, num decisivo lance de dados, o mestre nos apresentou à mais permanente relação da vida cotidiana com a Matemática. Dividiu a turma em pequenos grupos agora responsabilizados pela criação e condução administrativa de supostas fazendas agrícolas, fábricas, casas de comércio, provedoras de serviços, supostos bancos e bolsas de valores, até mesmo supostos organismos do setor público, todos associados às suas implicações com a economia familiar. Assim nos encaminhou à consolidação da necessidade permanente da Matemática na existência humana, com o que construímos supostos mundos, visualizamos suas contradições. Foi feliz a nossa formatura no Ginasial. Seu sabor de vitória tinha o tempero da saudade impulsionando o porvir. Oito anos mais tarde, ao me tornar Engenheiro, passei cópia precisa do diploma ao Professor Armando Nascimento, certo de que meu curso universitário era fruto da semente plantada em mim por ele, mestre eterno em minha grata memória. - Avante! Avante!* texto publicado na edição deste mês da Revista Família Cristã.José Arrabal é professor universitário, jornalista e escritor, autor de contos, novelas e romances. Entre suas obras, sobressaem “O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira: Teatro” (Editora Brasiliense), “A Princesa Raga-Si”, “O Livro das Origens”, “Lendas Brasileiras, Vol 1/Vol. 2”, “Cacuí O Curumim Encantado”, “As Aventuras de El Cid Campeador”, “Romeu e Julieta” (Editora Paulinas), “A Ira do Curupira” (Editora Mercuryo Jovem), “O Noviço”, “Demeter A Senhora dos Trigais” (Editora FTD), “Histórias do Japão” (Editora Peirópolis) e “Anos 70 – Ainda Sob a Tempestade” (Aeroplano Editora). josearrabal@uol.com.br.

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